Mensagem da SPA, este ano da autoria de Maria Alzira Seixo
Cabe-me a alegria de vir sublinhar a todos, Autores, a constante presença da poesia na nossa actividade e quotidiano. Como professora, que livros só publica como extensão do ensino – ou dele em discreta diversão – , o meu modo de a sublinhar, no curso comum das coisas, une o respeito da palavra escrita ao gosto pelo saber da criação. Ser professor é estar em constante aprendizagem e, no acto de aprender, o que mais profundamente toca ensinante e aprendiz é o instante em que a criatividade surge, na natureza de uma humanidade capaz de conhecer, e na arte em que pode concretizar tal possibilidade de conhecimento.
A criação faz-se com materiais do mundo circundante, trabalhados por outrem, mas irrompe com uma fulgurância que nos é inexplicável e inexplicada, a da própria capacidade poética. A qual emerge, em maior ou menor grau, em todo o acto de fazer. Ora o saber que se orienta pela criação é o mais completo, porque atenta na conjunção de talento e labor, de trabalho corrente e ideação específica, que é a de cada um. Na ordem individual e na colectiva. E observar tal junção, tentando simular o percurso (imaginário) das suas fases, é a tarefa estimulante, sempre recomeçada e infindável, do professor de Arte e Literatura. Esta, a minha maior homenagem à poesia, que tenho estudado a vida inteira. Cada vez sabendo mais do cada vez menos que sabemos, e que tantos já tão bem exprimiram, em insistência ou em escassez.
Mas um lugar especial têm, de facto, os Poetas, os que se aplicam na palavra com a força concentrada do apuramento escrito essencial. No constante sobressalto de o não conseguir devidamente, e só por isso, às vezes, continuar. Neles reside o poder de disseminar sobre outras artes o efeito da estesia, que em todas é de cariz poético, por mais que a matriz do verbo lhes seja alheia, ou usem de outro modo a linguagem natural. Mesmo secundarizando-a, a necessidade e gosto de todas as impressões sobre o mundo (feito arte) serem explicitadas pela linguagem, em falas e escritas de cariz diverso, faz com que sobre todo o feito mundano recaia a incidência do discurso que o comenta. Assim re-dizendo, embora grosseiramente, o artifício da sua composição.
Poesia e arte aliam-se, provavelmente, numa espécie de relevo que em ambas assume o apontamento de outra coisa que as transcende, transcendendo também o próprio Autor, cabendo ao utente captá-lo para, em fruição e reflexão, prosseguir na senda dessa outra coisa que é por vezes o que mais perto está de nós, e nos escapa.
Por isso esse ‘inefável’ da poesia, tão estudado já, que faz com que dele sempre ‘falemos’ por utopia de aproximação, tentando atingir um qualquer corpo ou coração concreto do não-dito, e sabiamente sugerido, se encontra afinal em toda a arte, ou em manifestações de qualquer espécie que, em dado momento, ou por determinada conjuntura, se entendam como tal. E leva a que se possa falar de mensagem poética a propósito de todo o feito artístico. Ou pre-feito… Momentos vividos com intensidade, a perspectiva de um objecto à nossa passagem, um rosto que se nos revela – mesmo sem expressão concreta, sem fixação, são poesia incipiente na vida.
Celebremos pois também a poesia miúda da existência, do pequeno acontecer, do gesto secundário que o não é, e desperta acaso o desejo da sua reprodução, ou construção – em imagem, som, pedra, acto puro, palavra. A palavra, que tão misteriosamente arrebata ao mundo sentidos que não são os seus, e dos quais num contexto hábil se apropria, fazendo do mundo corrente uma feliz excepção de ser, que só a força do artista, do Poeta (em qualquer arte), atinge.
Na corrosão de tudo, que nos leva e destrói, mas também nos move para o melhor de nós e do conjunto de todos nós, a fixação da palavra poética (de toda a arte) permanece, como reduto da excelência que em cada dia procuramos atingir, se bem que em insatisfação constante, mas em busca que é já ideal alcançado. E esse alcance, por mim, vejo-o em tantos de vós, e em todos o movimento para ele, que a mensagem que mais me importa, hoje, é a da experiência possível que todos dele podemos fazer a cada momento: fruindo da criação poética de todos, na obra de cada um.
Maria Alzira Seixo
Março de 2011