Autoria de Urbano Tavares Rodrigues
Dia 23 de Abril de 2011
Dos mais antigos e preciosos manuscritos, por vezes maravilhosamente iluminados, ou seja cobertos de ricas ilustrações, à descoberta da imprensa, que inicia um processo de democratização da leitura, ao aparecimento dos primeiros jornais, ainda de reduzida circulação, ao surto da imprensa moderna, o livro, de começo destinado a um escol de leitores, não tarda a chegar às massas devido ao ruído social e até ao escândalo de obras como as de Victor Hugo, que trazem ao público o milagre, o mistério, a aventura prodigiosa.
O germinal e outras obras de Zola foram extremamente motivadoras para a conquista de um círculo muito abrangente de leitores.
Só tarde se vulgarizou o subproduto romanesco, a partir de obras com certa qualidade, que foram imitadas, vulgarizadas, estereotipadas.
O livro, que às vezes provinha do folhetim, ganhou cor, beleza, tornou-se umas vezes discreto, outras vezes berrante para chamar a atenção do público mais simplório.
Suportou a concorrência do cinema e da televisão, com os quais estabeleceu relações íntimas de interpenetração.
Já muito mais tarde sofreu a concorrência da Internet e resistiu-lhe.
O modelo de globalização neo-liberal, que não afecta a grande literatura, marcou profundamente os subprodutos muito vendáveis, contendo lixo literário.
Há por vezes o que parece ser uma concessão a processos um pouco fáceis de sedução do leitor. Mas continua a fazer-se muito boa literatura. A digitalização dos livros lançados na Internet preocupa alguns puristas, mas a verdade é que o livro em papel resiste. É com ele que se adormece à noite e por fim nos cai das mãos ou é enfiado debaixo do travesseiro, companheiro querido, onde por vezes se escrevem anotações, juízos, comentários, críticas ou pequenos elogios, que o valorizam aos olhos dos bibliófilos.
O livro tornou-se um amigo, foi nele que em muitos casos, nos descobrimos, com ele crescemos e nos transformamos, permanecendo fiéis ao mais profundo da nossa natureza.
Lembro-me sempre do que foi para mim, como descoberta íntima do meu ser, a leitura de L’exile et le royaume de Albert Camus.
Camus, de quem vim a tornar-me amigo, morreu cedo, abruptamente, num acidente de automóvel.
Restam-me dele retratos e os seus livros, palpitantes de vida, anotados por mim, desde O mito de Sísifo, que traduzi para português, aos outros, tão vivos, alguns cobertos de gatafunhos como La chute, que me inspirou o comportamento de um mentiroso compulsivo numa curta novela.
A terminar esta breve série de considerandos sobre o livro, a sua trajectória no tempo, a sua magia glorificada como resistência do espírito, que é e será contra a barbárie economicista, que reduz tudo a dinheiro.
Desejo que brilhe com a suprema luz da paz e da fraternidade universal este novo dia do livro.
Urbano Tavares Rodrigues