No fim de uma entrevista radiofónica sobre os desassossegos pessoanos, a entrevistadora – uma rapariga com o dom trinitário da curiosidade, da timidez e da ousadia – acabou por me fazer com um sorriso de beatífica desculpa a pergunta da esfinge moderna: para que serve a poesia? A pergunta levou-me a Hölderlin, a T. S. Eliot, a Sartre, ao meio que me habita e que eu habito – alunos, pais, comunicadores, professores, vizinhos, gente da rua – e lembrei que só nos tempos modernos é que o poeta tem tido de responder e responder-se a essa pergunta que, na distinção de Vergílio Ferreira, passou já para o território das interrogações fundamentais. E, na minha resposta, lembrei a Lautréamont e sua sentença: A POESIA DEVE TER POR OBJECTO A VERDADE PRÁCTICA. E assim, respondi: quanto a mim, a poesia tem-me servido para ter uma cada vez melhor qualidade de vida; pensando colectivamente, acho que a poesia podia, entre outras coisas, ajudar-nos a sair da crise. Risos. E eu que acrescento: já sabia que a minha amiga não ia perceber, ou não teria feito essa pergunta; mas eu tinha a obrigação moral, ética e política – e também a vontade- de a responder, num convite à reflexão e daí à própria poesia. Vivemos num mundo onde os valores que se nos apresentam como positivos e como caminhos certos para o triunfo social são a abjecção moral e ética, o totalitarismo ideológico e político, e a mediocridade intelectual e profissional. O resultado já se vê: a miséria e o medo. Foi em Portugal, nos tempos negros antes dos luminosos agora de novo regressando ao cinzento escuro, onde Pedro Oom se perguntava angustiado: que pode fazer um homem quando o ar é um vómito e todos nós seres abjectos? A resposta estava e está na poesia. A poesia oferece-nos a melhor via para transformar e transtornar esses valores e os seus sinistros resultados. A poesia é a palavra, sim, a palavra criadora que acaba de dar sentido e ser à realidade, é o motor da nossa imaginação que consegue fazer da realidade real uma realidade poética, mas, na palavra e desde a palavra e para além da palavra, há a poesia do olhar, do ver, do perceber, do sentir, do dizer, do viver e do conviver. Porque sabemos que há luz fora da caverna, que este nosso mundo pode e deve ser regenerado urgentemente, e para isso, ser lido com um olhar diferente e novo. Porque acreditamos nessa possibilidade, nessa necessidade e nessa urgência, concelebramos e convidamos a concelebrar a festa da poesia, filhos daqueles ‘horríveis trabalhadores’ que Rimbaud assinalava como as velhas toupeiras que haviam de continuar o trabalho de destruir os alicerces da velha cidadela, os muros e as paredes de Elsinore. Mais uma vez e aqui Lautréamont: A POESIA DEVE SER FEITA POR TODOS. Ou não será –não seremos.
Perfecto E. Cuadrado