O que significado receber o Prémio Consagração de Carreira da Sociedade Portuguesa de Autores?
Qualquer prémio que seja atribuído pelos nossos pares tem um significado especial. Neste caso é duplamente especial porque a SPA também é a minha casa. É uma casa pela qual eu tenho lutado. E pela qual já tenho discutido muito. Por vezes, quando apontam erros, a minha pergunta é: és sócio, então porque é que não vais às assembleias?
Mas as participações, mesmo em período de confinamento, têm tido uma boa dinâmica.
Há uma série de gente mais nova que está a aparecer e a participar e é isso que nós, os mais velhos, gostávamos que acontecesse com seriedade e ao mesmo tempo a saberem o que é aquela casa e o que é que eles podem fazer daquela casa. Tem que se saber o que é para se poder falar.
O que lhe trouxe a pandemia?
Desde Abril de 2020 até ao dia em que estamos a falar (19 de Abril de 2021), portanto, há um ano, que não tenho trabalho. E há quem esteja pior do que eu. Francamente. O facto é que as economias estão a ir-se embora. Não me estou a queixar. Só estou a falar porque há muitos autores e companheiros na mesma situação que eu ou pior. Daí ser importante chamar a atenção. Esta pandemia levou-nos a vários caminhos. No meu caso, fiz dois discos. Pronto. Estive em casa.
Dizer isto pode soar estranho, mas nalguns casos a pandemia pode ter catalisado a criatividade?
Foi, mas desse ponto de vista não totalmente. Há que fazer qualquer coisa… Estamos parados em casa e eu gosto de fazer música. Eu toco mal qualquer instrumento, pelo que contei também com a colaboração de um enorme amigo, que é o Fernando Abrantes, que é engenheiro de som. Nós já não contamos a amizade em anos. Falamos de discos. Nós conhecemo-nos há quê? Há 23 discos. É nessa base… Eu em casa a gravar com o iPhone textos e músicas de um disco de originais, que está para sair um dia, se alguma editora o quiser…
Um álbum já fechado, que tem um título?
Chama-se: Quem sou eu? É uma pergunta em relação aquilo que eu acho que devo mostrar às pessoas do que faço, mas também daquilo que eu sou. Quem tiver disponibilidade para ouvir o disco quando sair, vai perceber muita coisa de mim em 2021.
E foi feito num telemóvel?
De iPhone para iPhone. Ele (Fernando Abrantes) toca muito bem piano, foi arranjando, e eu quando consegui sair de casa, fui lá a casa dele e cantei. Depois, convidei várias companheiros de cantigas, que me faziam falta, porque o disco anterior, produzido pelo meu filho, que se chama duetos, tinha muito boa gente da música, mas faziam-me falta alguns nomes. Estão neste disco.
O disco é um mote com respostas?
Quis saber quem sou. Sou o que dou. O que faço aqui? Eu nunca fugi. São coisas assim do género… Há muito mais no disco para além desses quatro versos.
Mas falou em dois discos?
Sim. O outro disco foi feito graças ao Fundo Cultural da SPA. Eu propus-me e foi-me concedido um adiantamento / empréstimo do fundo e fiz um disco que já andava a gravar há muito tempo.
Trata-se de uma edição de autor?
Sim. Isso mesmo. É um CD gravado ao vivo durante alguns espectáculos, com o meu amigo – e grande pianista cubano, Victor Zamora. Não sei se esse disco vai ser para vender às pessoas ou para dar às pessoas. Tenho essa possibilidade. O nosso Fundo Cultural permite fazer isso, que é ter um disco para dar.
Já alguns músicos me disseram que actualmente encaram os seus CD como um cartão de visita. É também essa a sua opinião?
Concordo completamente. Estou de acordo com isso. Cada vez mais a gravação e a colocação da música serve para dizer que existimos (e para comprarem os nossos espectáculos). Eu ando a lutar pela colocação no mercado deste disco Quem sou eu? e o que me dizem das editoras é que os CD já não se vendem. Portanto, há que entender as novas formas de divulgação e venda da música. Eu ando a aprender, apesar da minha idade. Nem sei se não será melhor investir numa PEN para divulgar as nossas músicas, que as pessoas depois ouvem no carro ou onde quiserem. Talvez seja mais fácil vender uma PEN do que fabricar um CD. É como os livros, que já há que leia no iPad. Eu por mim se não tenho o livro na mão aquilo não tem graça. Mas isso sou eu que sou doutros tempos.
“HÁ QUE ENTENDER AS NOVAS FORMAS DE DIVULGAÇÃO E
VENDA DA MÚSICA. EU ANDO A APRENDER, APESAR DA MINHA IDADE.
NEM SEI SE NÃO SERÁ MELHOR INVESTIR NUMA PEN PARA DIVULGAR AS NOSSAS MÚSICAS”
Como reage a esta nova realidade?
É apaixonante. Vamos descobrindo e entendendo. Há diversas formas de luta durante estes anos todos.
Convém assinalar que, por todo o lado, incluindo nas redes sociais, se percebe que se mantém uma enorme apetência por música.
A apetência é sempre a mesma. As pessoas andam tão distraídas pela vida do dia a dia, que não sabem sequer analisar tudo isto que as rodeia. Mas continuam a viver com música. Há aquela gente que contesta os autores e o dinheiro que os autores ganham com o seu trabalho, mas à volta deles existe sempre música. E nem tentam entender que alguém teve que trabalhar para aquilo existir. Se fosse possível, eu adorava que pudéssemos parar com a música toda que nos rodeia e ver a falta que isso faz.
Apesar de há pouco descortinar respostas ao mote Quem sou eu?, nenhum entrevistador poderia deixar essa pergunta passar tão fugazmente… Quem é o Paulo de Carvalho?
Evolução na continuidade. Eu não mudei muito. A base está lá.
“EU ADORAVA QUE PUDÉSSEMOS PARAR COM A MÚSICA TODA
QUE NOS RODEIA E VER A FALTA QUE ISSO FAZ.”
O que está nessa base?
A solidariedade. A amizade. A ingenuidade… Continuo a ser enganado com uma facilidade bestial, mas tudo bem. A teimosia. E teimosamente a ser enganado. Mas há diferença entre teimosia e obstinação, que é uma teimosia que não faz sentido. Mas faz. São as convicções… É a coerência.
Há algo que o ocupe na maior parte do tempo que está fora do trabalho?
Oiço muito música. Mais no carro do que em casa, porque tenho duas filhas que ocupam o espaço sonoro com as coisas delas e não me deixam sossego suficiente para ouvir o que quero. Mas oiço a música que quero ouvir e não o que me querem impingir. 70% da música que oiço é instrumental, dos mais variados géneros.
O que mudou ao longo desta carreira consagrada?
A única coisa que mudou é que deixei de estar nervoso. Não há motivo para isso. Estou em palco com outros trabalhadores da música em quem confio.
O que faria se não fosse trabalhador da música?
O que eu sempre gostei de fazer foi de jogar à bola, mas agora, com 74 anos, já não posso ser jogador. Nem treinador.
Mas continua a gostar muito de futebol?
Mas nada do que está por trás. Já não é desporto. É espectáculo desportivo, digamos assim. E cada vez mais individualizado. Jogado ao molho, mas cada um a tratar da sua vida.
“O QUE EU SEMPRE GOSTEI DE FAZER FOI DE JOGAR À BOLA,
MAS AGORA, COM 74 ANOS, JÁ NÃO POSSO SER JOGADOR.
NEM TREINADOR”
Entretanto, está a ser preparado um espectáculo de homenagem…
Sim, para Novembro. Tem que ver com a nossa SPA. A Administração quer fazer essa homenagem, com um espectáculo de carreira, com músicas antigas e novas. Há músicas que eu devo ao público. E vou cantá-las, intercaladas com outras novas.
Será na Aula Magna?
Sim. E em 2022 vamos ter os meus 60 anos de percurso artístico. Muitas coisas vão acontecer, até porque ando a pensar em fechar a porta. Ando a pensar nisso muito seriamente. Não me quero prolongar. Antes disso gostaria de fazer uma homenagem aos cantores portugueses de quem gosto. Veremos.
Acredita que a pandemia veio mudar as pessoas?
Acredito. É provavelmente em muitas coisas que ainda não se estão a notar, mas a mentalidade das pessoas e a forma de funcionar vai mudar. Bastante. Não tenho grandes provas disso, ainda, mas vejo pelos que me são mais chegados que há hábitos que se vão modificar. Quero acreditar que sim. Até onde e quando…? Não sei. Mas acredito.