Comité Europeu da CISAC: A diversidade faz a diferença e abre o caminho

José Jorge Letria

A Europa de hoje, a menos de um mês das eleições para o Parlamento Europeu, está a ser marcada por um assinalável conjunto de incertezas e interrogações. Ninguém sabe ao certo o que irá acontecer e qual a forma como as novas correlações de forças irão ganhar expressão. De uma coisa podemos e devemos, porém, ficar certos: seja qual for a nova realidade resultante da votação de quase três dezenas de Estados livres e independentes, essa realidade vai ter expressão inevitável na vida das sociedades de autores dos nossos países, em áreas que vão da música ao cinema e da literatura ao teatro.

O que vier a acontecer em áreas tão diversas como a Cópia Privada ou as medidas de combate à pirataria, dentro e fora da área digital, será o resultado do que resultar da combinação de duas realidades: de um lado o equilíbrio interno de forças e, do outro, a realidade que ganhará expressão nas directivas produzidas por Bruxelas.

Nesse sentido, poderemos afirmar que aquilo que irá acontecer na Europa a partir de meados de Junho de 2014 será diferente da realidade com a qual nos habituámos a lidar há quatro ou há oito anos atrás. Há quatro anos praticamente nada se previa de concreto acerca da Directiva sobre a Gestão Colectiva, que acabou por ser votada já no limite da vigência do actual mandato da Comissão Europeia. Para trás ficou, sem horizonte de conclusão, a Directiva sobre a Cópia Privada, com a intervenção pouco favorável aos autores de um ex-comissário português.

As sociedades de gestão colectiva tornaram-se alvos fáceis da Comissão Europeia, muito mais interessada em poupar os grandes operadores e os consumidores do que os que tratam dos direitos de autor dos criadores de áreas tão diversas como a música, a literatura, o audiovisual ou as artes visuais. Tudo se tornou mais difícil e complexo.

Por este e por outros motivos, é imperioso que as sociedades de gestão colectiva estejam conscientes do novo período que se aproxima e compreendam que só um bom nível de diálogo e cooperação dentro da CISAC pode melhorar os seus horizontes de esperança e de partilha.

Pelas mesmas razões, é urgente que os autores intervenham mais na vida pública das suas sociedades de autores e que se multipliquem as acções orientadas para o público em geral e para o público mais jovem, em idade escolar, em particular.

A Europa que temos hoje pela frente vai ser diferente daqui a quatro anos. Esperamos que melhor, embora tudo aponte numa direcção diferente. Precisamos de actuar com maior firmeza e objectividade, com maiore rigor, tornando evidente que este Comité Europeu, com 101 sociedades de gestão colectiva, não pode permitir que esta superioridade numérica se converta num factor de fragilidade e e vulnerabilidade.

Daqui em diante, temos de perceber qual a realidade com que lidamos e a maneira de a transformar, sem reservas ou dúvidas, deixando mais portas abertas para um diálogo profícuo com o Leste da Europa, onde muita coisa muda a um ritmo que ainda não conseguimos prever ou controlar.

O que se passa em países como a Geórgia, com Tiblisi na liderança, é apenas um sinal dos caminhos que nos próximos anos teremos de cumprir. E será somente um caminho.

Mas este é também o momento de recordar que foi há um século, em 1914, que começou uma guerra mundial que custou quase 30 milhões de vidas, naquela que foi a última grande guerra de trincheiras. Que essa tragédia, e as que se lhe seguiram, não tenham de se repetir, embora a Europa seja o cenário do que sabemos e do muito que continuamos a ignorar.

Mais do que nunca é tempo de trabalharmos juntos, com serenidade e determinação, levando o mais longe que for possível o excelente trabalho que até aqui foi realizado por gente trabalhadora e competente. Com uma certeza: aqui que nos espera poderá ser o desafio maior que nos espera, pois ninguém tem como certo o que nos aguarda. Não vamos esperar para ver. Vamos actuar para conseguirmos chegar primeiro, produzindo as sínteses certas do muito que já herdámos numa confederação que se prepara para a sua Assembleia Geral, em Londres, no início de Junho.

É tempo de confirmarmos a capacidade e a vontade deste Comité Europeu de ajudar a fazer história num continente onde muita coisa poderá mudar. E que fique claro que o problema não reside na gestão colectiva, mas sim na forma como é encarada e tratada pelos governos nacionais e pela Comissão Europeia. Mais do que nunca é necessário que troquemos informações, que dialoguemos, que encontremos caminhos conjuntos para soluções comuns. É também para isso que este Comité Europeu existe, já com muitos relatórios concluídos, com muitos levantamentos realizados, com muitos balanços elaborados. A nossa diversidade é a nossa maior riqueza, mas é urgente fazer dela um factor de entendimento e de aproximação e não um elemento de divergência e afastamento. Para tanto basta aquilo que noutros domínios nos separa e afasta. Estar ligado à periferia ou à centralidade não passa, por vezes, de uma mera referência geográfica que o mundo digital transforma numa realidade diversa. Todo o cuidado com as ilusões não deve ser excessivo, pois abre caminho para a racionalidade e o bom senso.

A Europa da gestão colectiva deverá ser sempre a Europa da diferença e da complementaridade e não do confronto e da mútua recriminação. É por aqui que devemos ir, sob pena de trilharmos caminhos sem recuo. Este Comité continua a existir com esse objectivo e propósito, com essa meta estratégica. Pensar de outra forma é pensar contra a realidade. A Europa de que falamos é a da diversidade e da complementaridade, nunca a do silêncio monolítico ou da concordância forçada.

Sabem quem somos, onde estamos, o que queremos fazer, dando continuidade ao melhor que já foi feito. Eis o caminho que vamos seguir, com o contributo e a lucidez construtiva de todos, por uma Europa em paz e com futuro.

Lisboa, Abril de 2014

Newsletter

    Contactos

    Av. Duque de Loulé, 31
    1069 – 153 Lisboa
    E-mail: geral@spautores.pt