A LIVRARIA
Podia ter sido a minha casa,
o lugar de todos os encontros
que a palavra propicia e fortalece.
Passei ali, rua a rua, dia a dia,
as horas do apaziguamento e do sonho,
com as prateleiras abertas para o júbilo
de uma viagem que nunca quis
ver terminada, por ser única e total
como a vida. Ali marquei encontro
com os livros que me deram
o direito de sonhar, de querer viver.
Juntei os autores à minha volta
e apanhei com eles o transporte da noite
para o outro lado de nós, sem pressa nem medo.
Fiz-me à estrada pelo caminho destes livros,
mapa essencial do meu apego a tudo.
Fiz-me ao mar e ao vento
no vagaroso embalo destas obras,
múltiplas e totais, partes intensas de mim.
Quando as vejo fechar as portas
adoeço de tristeza e de amargura.
Muito de mim se perde nesse acto,
fico mais só, com menos livros,
em busca do que um dia encontrarei,
falando de mim e dos outros,
capítulos novos e luminosos
do meu amor à vida, numa livraria ideal.
José Jorge Letria
Dezembro de 2018