As organizações europeias de autores, intérpretes e produtores abaixo assinadas tomaram conhecimento das recomendações apresentadas por António Vitorino, que assinalam a conclusão do processo de mediação referente às taxas de cópia privada iniciado pela Comissão Europeia.
Estamos em profundo desacordo com as principais orientações recomendadas por António Vitorino. Se a Comissão Europeia aceitasse estas recomendações, o resultado i) teria um efeito negativo para os consumidores, ii) seria prejudicial para os interesses dos titulares de direitos (e por isso prejudicial para o desenvolvimento da cultura europeia) e iii) aumentaria a complexidade dos contratos de licenciamento. As únicas partes que beneficiariam com esta situação seriam os importadores e os fabricantes de dispositivos/meios de gravação, que são na sua maioria empresas que não pertencem à UE.
O nosso principal receio é que o licenciamento seja visto como uma forma de eliminar as taxas de cópia privada, o que vai contra o modelo aplicado hoje na maioria dos países da UE, onde ambos os sistemas são complementares. Ao adoptar tal posição, António Vitorino recua no tempo até ao período em que o próprio princípio da excepção da cópia privada na era digital era posto em causa por aqueles que exigiam a implementação de medidas de protecção tecnológica. Esta não foi a solução que acabou por ser escolhida na Europa ao abrigo da Directiva do Direito de Autor de 2001.
Ao afirmar que as cópias feitas pelos utilizadores finais para fins privados através de um serviço licenciado não são prejudiciais (não sendo por isso necessária a correspondente remuneração através das taxas de cópia privada), António Vitorino está basicamente a sugerir a eliminação das taxas de cópia privada, nomeadamente para os chamados “novos modelos de negócio no ambiente digital”.
Isto parece representar um grave desconhecimento do sistema de cópia privada. Os serviços licenciados recebem autorização para explorar obras com base nas especificidades de cada modelo de negócio, enquanto que a remuneração pela cópia privada é organizada através de um sistema baseado em taxas por forma a garantir que os utilizadores possam fazer cópias privadas independentemente do modelo de negócio do serviço.
Com esta recomendação, António Vitorino propõe eliminar a excepção quando são concedidas licenças aos serviços, partindo do pressuposto que os titulares de direitos deveriam incluir o preço das cópias privadas na autorização.
Tal proposta:
– quebraria a relação entre a remuneração pela cópia privada e as próprias cópias privadas feitas pelos utilizadores finais;
– privaria os consumidores da sua capacidade legal de fazer cópias para fins privados a não ser que tais cópias tivessem sido autorizadas pelos titulares de direitos. Isto implicaria a reintrodução de medidas de protecção tecnológica, que os consumidores rejeitaram em massa no passado;
– implicaria que os titulares de direitos teriam de negociar a remuneração pelas cópias privadas feitas pelos consumidores com os serviços correspondentes. Não só estes serviços estão numa posição negocial muito dominante, como também qualquer remuneração complementar obtida pode aumentar o preço pago pelos consumidores para terem acesso a tais serviços. Aliás, sem o sistema de compensação justa, alguns titulares de direitos poderiam mesmo não ter a possibilidade de negociar com os serviço em causa um pagamento pela cópia privada das suas obras.
Várias outras propostas recomendadas por António Vitorino relativamente ao funcionamento dos sistemas de taxas existentes teriam também consequências negativas significativas.
– Transferir a responsabilidade pelo pagamento das taxas do reduzido grupo de fabricantes e de importadores para o grande número de retalhistas tornaria incerta e cara a gestão e aplicação do sistema da cópia privada, e favoreceria o desenvolvimento da fraude.
– A recomendação de que as taxas de cópia privada não devem ser aplicadas aos bens vendidos às empresas não tem em consideração o facto de os dispositivos adquiridos pelas pessoas colectivas também poderem ser utilizados para fins privados pelos funcionários de tais utilizadores (ex.:smartphones, tablets). A isenção da obrigação de pagar a taxa de cópia privada deveria por isso basear-se na utilização efectiva do meio/dispositivo e não na natureza do utilizador.
– Finalmente, a posição de António Vitorino de que a decisão de aplicar ou não a taxa a determinado produto deve ser tomada pelos Estados Membros parece contradizer a sua própria declaração: “As abordagens divergentes adoptadas pelos Estados Membros relativamente à determinação dos produtos sujeitos a taxas e à metodologia de fixação dos tarifários constituem o principal desafio lançado pelas taxas à livre circulação de bens e serviços no Mercado Interno.”
As organizações abaixo assinadas lamentam que António Vitorino não tenha em conta as propostas dos titulares de direitos para melhorar o sistema baseado em taxas e que não tenha considerado as principais desvantagens das suas recomendações para os autores, intérpretes e produtores, em detrimento da criação e da diversidade cultural europeia. Instamos a Comissão Europeia e os Estados Membros a reconsiderarem estes aspectos das propostas de António Vitorino e a conceberem uma abordagem mais equilibrada.
AEPO-ARTIS
Asssociação de Organizações de Intérpretes Europeus
Xavier Blanc, Secretário Geral
EUROCOPY
Federeção Europeia de Sociedades de Gestão Conjunta de Produtores para a Cópia Privada do Audiovisual
Idzard Van Der Puyl, Secretário Geral
GESAC
Grupo Europeu das Sociedades de Autores e Compositores
Véronique Desbrosses, Directora Geral
SAA
Sociedade de Autores do Audiovisual
Cécile Despringre, Directora Geral