Jornal Público de 28/06/2011
AUTORES DE TODO O MUNDO, UNI-VOS!
“Criar riqueza na economia digital” foi o lema sob o qual centenas de representantes dos autores e das indústrias culturais e de comunicação de todo o mundo se reuniram em Bruxelas, nos passados dias 7 e 8 de Junho, na Cimeira Mundial do Direito de Autor, organizada pela Confederação Internacional das Sociedades de Autores e Compositores (CISAC).
Como afirmou o compositor e intérprete Robin Gibb, mítica figura dos “Bee Gees” e presidente da CISAC, “é tempo de continuarmos optimistas, mas de forma cautelosa e ponderada, pois o optimismo é sempre revolucionário”. Apesar desse apelo mobilizador, ficou claro, na maior parte das intervenções, que sem molduras legais adequadas, sem uma nova mentalidade por parte dos consumidores, sobretudo os das novas gerações, e sem uma posição firme e sem ambiguidades dos poderes políticos em defesa dos autores e da criação cultural os próximos anos vão ser sombrios e ainda mais ameaçadores para os criadores e para as estruturas que os defendem e representam.
Se tal acontecer, não poderão os decisores políticos, a não ser por hipocrisia, atribuir à cultura e aos seus agentes em geral um papel relevante na superação da crise global, designadamente através da criação de mais emprego e de maiores receitas, nomeadamente fiscais. Para que esse desígnio se cumpra, é indispensável a criação de condições concretas e inequívocas, sem as quais semelhante perspectiva não passará de um equívoco.
É significativo que a eurodeputada Marielle Gallo tenha afirmado na Cimeira Mundial que, actualmente, “na Europa, uma vaca é mais subvencionada que um autor” e que o comissário Michel Barnier, responsável, entre outros, pelo pelouro da Propriedade Intelectual e do Direito de Autor, coerente com a tradição e a responsabilidade histórica da França neste domínio, tenha declarado: “Há quem diga que o direito de autor está velho, mas eu não lhe detecto sequer uma ruga”. Entre as palavras e os actos há, porém, uma zona de penumbra que carece de uma urgente clarificação, sob pena de tudo permanecer no território nebuloso das indefinições duradouras.
Em geral, a Cimeira Mundial do Direito de Autor, a terceira desde 2007, reunião magna com periodicidade bianual, tornou evidentes as diferenças de perspectiva existentes de país para país e de continente para continente, mas acentuou, inequivocamente, alguns consistentes pontos de convergência: a dinâmica imparável da revolução tecnológica e a necessidade de a regulamentar, a urgência de os autores desempenharem um papel mais interventivo na gestão colectiva das suas obras e a necessidade de quadros legislativos que permitam combater a pirataria e assegurar a entrada em vigor de leis da cópia privada adequadas às novas realidades tecnológicas em permanente evolução.
Caricaturalmente, o grande compositor Alberto Manzanero, presidente da Sociedade de Autores do México, afirmou que «os usuários são muito criativos; têm uma canção famosa intitulada “Não Quero Pagar”». É evidente que há usuários e usuários, mas não é menos evidente que, em contexto de crise, a realidade tende a dar razão ao compositor mexicano.
A Cimeira de Bruxelas, com cerca de 700 participantes, na estimulante pluralidade das opiniões e propostas que acolheu, converteu-se numa pública e veemente demonstração de que o desrespeito dos direitos dos criadores se reflectirá negativamente no desenvolvimento económico dos países e no seu progresso material e espiritual. E assim continuará a acontecer enquanto uma vaca europeia, sagrada ou não, valer mais que um autor.
E não fora a forte conotação ideológica da frase, valeria a pena afirmar que os delegados à Cimeira deixaram Bruxelas com o desejo de subscreverem um “slogan” como este: “Autores de todo o mundo, uni-vos!”
José Jorge Letria
Escritor, jornalista e presidente da Sociedade Portuguesa de Autores